Por que insistir na universidade?

Foto da fachada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com um letreiro grande escrito "eu - símbolo do coração - UERJ"

Essa é uma pergunta que me fiz constantemente. “Por que estou aqui? Por que sigo aqui? Por que quero estar aqui? Por que não consigo simplesmente abandonar este lugar?”

Meu percurso na minha primeira graduação, em Psicologia, foi longe de ser tranquilo. Muitas vezes eu quis desistir. Mas fiquei. Os motivos específicos para um e para outro foram diversos e se modificam quanto mais olho para trás. Acho que, no fundo, não são importantes. O que importa é que fiquei. Não só fiquei como fiz mestrado, especialização. De repente larguei tudo e entrei em outra graduação. Ou seja, voltei, insisti. Por quê?

Ontem, fazendo um trabalho para a faculdade, acho que entendi.

Estar em uma universidade nos expõe e obrigada a muitas coisas que não queremos fazer ou que desconhecemos completamente. (Muitas vezes não queremos fazê-las por desconhecê-las.) São tarefas, leituras, estudos e assuntos que eu nunca buscaria por conta própria.

E essa também não é uma das justificativas para se criticar a universidade? Lembro que quando contei a algumas pessoas que decidira cursar Letras me falaram “Você deveria ter entrado em uma especialização, não em outra graduação”. Assim eu aprenderia o exclusivamente necessário e processual para a prática no meu novo campo de interesse e atuação.

É verdade que estou aprendendo muitas coisas que não são diretamente aplicáveis. O trabalho do qual falei, que fiz ontem, foi para uma disciplina sobre poesia. Pois é. Acho que a conclusão a qual cheguei não foi por coincidência.

Poesia não é um assunto que me interessa muito. Eu não leio, conheço poucos poetas e não é algo que procuraria por livre e espontânea vontade. Mas lá fui eu obrigada a estudar e ainda escrever sobre isso. E só posso dizer: que bom que isso aconteceu.

Para o trabalho, eu deveria escolher um poema, associá-lo a uma imagem e explicar o porquê. Primeiro achei bobo, mas, depois de feito o trabalho, gostei tanto. Acho que nada é bobo quando levamos a sério. Foi difícil, mas fiquei surpresa, pois realmente encontrei um poema do qual gostei, que achei que falava algo sobre mim. Então, na hora de pensar em uma imagem e explicar a associação, me surpreendi novamente, já que consegui fazer análises próprias do escrito e produzi algo único e original.

Nesse dia, descobri muitas coisas sobre mim: que, afinal, eu poderia gostar de poesia, que existiam poetas que falavam sobre assuntos que dialogavam comigo, que eu era capaz de ler e analisar um poema, e, claro, aprendi com as palavras que escrevi sobre aquilo que estava analisando. O trabalho fez com que eu pensasse coisas que nunca havia pensado antes, e que nem sabia que podia pensar.

Acho que preciso compartilhar o poema aqui, já que tem tudo a ver com isso que estou dizendo, apesar de não ter sido a intenção no início da escrita deste texto.

Outras palavras
Para dizer certas coisas
são precisas
palavras outras
novas palavras
nunca ditas antes
ou nunca
antes
postas lado a lado.
São precisas
palavras que inventaram
seu percurso
e cantam sobre a língua.
Para dizer certas coisas
são precisas palavras
que amanhecem.

– Marina Colasanti

Para mim, e aqui eu só posso falar a partir da minha própria experiência, a universidade é o espaço privilegiado que nos leva a buscar, a inventar, novas palavras.

Em que outro espaço nós precisamos produzir tanto? São trabalhos, resenhas, fichamentos, seminários… em quantos não precisamos criar algo, com referências, sim, mas também a partir das nossas próprias ideias, reflexões, associações? E no processo, aprendemos mais sobre nós mesmos, sobre os outros e sobre o mundo.

E as palavras que li hoje mais cedo, de António Nóvoa em Carta a um jovem pesquisador em Educação me fizeram ter certeza do motivo pelo qual insisto na universidade:

“A escrita académica não é apenas um modo de apresentar dados ou resultados, é sobretudo uma forma de expressão pessoal e até de criação artística.”

Insistir na universidade, mas também na forma de pensamento que ela nos ensina, o pensamento crítico, e no modo de sua expressão, a escrita acadêmica, é insistir na potência da expressão pessoal, na verdade que cada um, a partir de suas próprias vivências e bagagem, pode dizer, escrever. É insistir na potência da criação.

Foi isso que encontrei lá na graduação em Psicologia, que me fez ficar, que me levou ao mestrado, que eu levei para a minha especialização e que, quando todas essas experiências acabaram, me fez buscar a graduação em Letras.

Se hoje tenho este espaço, o blog, para escrever e me expressar, não é sem a universidade, e isso não se deve apenas à sua temática. A universidade me formou como pesquisadora e escritora de mim mesma e do mundo, me ensinou que há coisas que só eu posso dizer sobre assuntos discutidos por muitos, e que isso pode ser valioso para outros também. Por isso, insisto.


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