Diário de leitura: “O perigo de estar lúcida” – Capítulos 1 a 13

Foto do livro "O perigo de estar lúcida" de Rosa Montero sobre uma mesa aberto no primeiro capítulo intitulado "Chupando cobre".

Sejam bem-vindos e bem-vindas à primeira edição do diário de leitura deste blog!

Este é um projeto bem experimental, mas não é novo! Já há alguns anos tenho o hábito de manter um diário das minhas leituras, às vezes físico, às vezes digital. Mas a verdade é que eu nem sempre consigo manter o hábito e costumo, no meio do caminho, parar de escrever e só voltar quando termino a leitura.

Como sou insistente, sigo tentando manter os meus registros durante a leitura, e minha hipótese da vez é que a constância será mais fácil se eu os compartilhar. Daí surgiu este experimento.

A ideia aqui é compartilhar pensamentos, citações e reflexões espontâneas, sem tanta pesquisa e estrutura quanto faço para as resenhas e outros posts, e também com spoilers. Quero que seja um espaço mais semelhante a uma conversa, assim você pode “ler em conjunto” comigo, se quiser, e compartilhar suas próprias reflexões nos comentários, como uma espécie de clube do livro assíncrono.

Atualmente estou lendo O perigo de estar lúcida, da escritora Rosa Montero, por isso decidi começar por ele!

Por que este livro?

Na verdade, eu não escolhi ler este livro. Ele foi escolhido como a segunda leitura do clube do livro das jovens senhoras, da Fernanda Vianna, do qual comecei a fazer parte neste ano!

Como eu decidi participar do clube mais porque queria um espaço para conversar sobre leituras do que pela lista de livros, confesso que eu não conhecia O perigo de estar lúcida, nunca tinha ouvido falar da Rosa Montero e não tinha a menor ideia do que esperar do livro, não sabia nem se era ficção ou não ficção. Aplicadíssima, não é mesmo?!

Bem, fato é que me propus embarcar nessa aventura de começar a ler um livro sem saber nada sobre ele e sem ler a sinopse. E posso dizer que até agora está sendo incrível.

Primeiras impressões

A escrita da Rosa – já me sinto íntima dela – é uma delícia, seu tom espontâneo fez com que eu sentisse que estou conversando com uma amiga, e não lendo um livro. Dei muitas risadas no início do livro, pois, mesmo abordando um tema complexo, ela consegue trazer leveza e bom humor ao compartilhar as suas próprias questões de saúde mental. Fiquei com vontade de ler outros livros dela, que são muitos: A ridícula ideia de nunca mais te ver, Nós, mulheres e A boa sorte já estão na minha lista.

Também amei a temática. Para quem caiu de paraquedas aqui, o livro investiga a relação entre criatividade e saúde mental, ou melhor, sua ausência. Rosa chama de “extravagância” ou “descalabro mental”, podemos chamar de loucura, mas prefiro pensar em um certo “a mais” de sofrimento psíquico, talvez seja nesse sentido que a autora use o termo (extra)vagância. Ela também foca nos escritores, que, segundo suas pesquisas, têm maior tendência ao sofrimento do que outros tipos de artistas.

E isso foi algo que achei muito legal: a autora pesquisou, e muito, para escrever o livro. Mas, ao mesmo tempo, eu não diria que é um livro teórico, nem de divulgação científica. A ciência e as referências são uma espécie de temperinho que realça os dados empíricos que ela extrai de sua própria vida e da de tantos outros artistas.

O livro está sendo bem envolvente, devorei os primeiros capítulos, mas, conforme avancei na leitura, acabei encontrando algumas questões problemáticas que quero trazer para a discussão. Mas antes, acho que vale a pena destacar os pontos positivos e algumas reflexões que realmente gostei.

A arte como transmutação

“Eu habitava um território de solidão parecido com o lugar onde permanecem os moribundos até a morte chegar e de onde, se alguém voltar vivo ao mundo, traz consigo inevitavelmente um ponto de vista único que é um pesadelo, um tesouro e um bem para a vida toda” (Janet Frame apud Montero, 2023, p. 21).

Segundo Rosa, a maioria dos psiquiatras e psicólogos escolhe suas profissões por se considerarem “malucos” (p. 18). Bem, acho que só preciso dizer que sou uma psicóloga que passou a vida inteira escrevendo – diários, histórias de ficção nunca publicadas, trabalhos acadêmicos, posts de blog – para você ter ideia de quão “maluca” sou segundo os padrões de Rosa (e talvez de algumas outras pessoas também).

Acho que por isso gostei tanto do início do livro e da citação com a qual abri a seção. O tom bem-humorado de Rosa ao contar sobre suas questões de saúde mental e ao narrar o livro me fez pensar que, apesar de ela ser uma pessoa que parece ter sofrido bastante na vida, de alguma forma ela superou isso por meio de sua arte transmutando sua dor de tal maneira que hoje podemos todos rir disso.

Depois de uma década estudando psicologia e de muitos mais escrevendo sobre mim e meus problemas, cheguei à conclusão de que a saúde mental não está na ausência de problemas ou em uma suposta normalidade – que, sinceramente, não existe –, mas em encontrar uma forma singular de lidar com o sofrimento, em transmutá-lo de modo que você deixe de servi-lo e ele passe a servir a você, que você invente uma saída e faça algo criativo com ele. Que ele permita que você seja cada vez mais você e não sofra por ser quem é ou ceda ao peso da bagagem que carrega consigo, mas, quem sabe, que essa bagagem possa se tornar mais leve e você só carregue o essencial.

É assim que entendo a fala de Janet Frame. Quando realmente se consegue sair do inferno que é o sofrimento psíquico, é possível transmutar a experiência de tal maneira que até mesmo os aspectos dolorosos passam a revelar algo de positivo, diferente e único. Como se, de alguma forma, isso conferisse quase um superpoder e, por isso, como Rosa aponta, foi um “privilégio” (p. 21). Mas é preciso sair desse lugar. E o início do livro mostra que isso é possível e que o mito do gênio atormentado é apenas isso, um mito, pois a travessia do tormento traz consigo experiências inimagináveis e uma criatividade singular.

Mas, infelizmente, o livro não mantém essa linha de raciocínio, e foi aí que me decepcionei e comecei a me incomodar com o direcionamento de Rosa.

É preciso sofrer para criar?

“Parece que os escritores perderam o norte, escrevem para se tornarem conhecidos e não porque estejam à beira do desespero” (Bukowski apud Montero, 2023, p. 128).

Se, no início, Rosa parece indicar que a arte poderia ser um caminho de transmutar o sofrimento, com o passar dos capítulos o livro vai adquirindo um caráter sombrio, principalmente ao abordar algumas características tidas como traços definidores dos escritos: o vício e um intenso grau de sofrimento psíquico.

Essa também é a parte das listas, pois Rosa nos bombardeia com nomes atrás de nomes de artistas que recorreram aos mais diversos tipos de drogas para criar – alguns sucumbindo ao seu uso – e outros que não só sofriam muito e passaram por tratamentos horríveis e medievais na tentativa de curar suas doenças mentais (como os eletrochoques), mas nutriam o medo de se curarem e não mais conseguirem produzir.

Ou seja, a narrativa começa a caminhar para a hipótese de que seria um sofrimento psíquico descomunal e extremamente adoecedor que poderia estar por trás das grandes obras que admiramos hoje. Isso, veja bem, com aquele temperinho do talento de escrita da autora que descreveu vividamente o sofrimento de alguns artistas e os tratamentos pelos quais passaram. E, em meio a isso tudo, ainda cita a neurocientista Mara Dierssen, que questiona: “O que teria acontecido se muitos daqueles gênios tivessem se tratado com nossos métodos terapêuticos atuais? Nunca saberemos se todas as obras fruto do seu estado mental teriam sido realizadas” (Montero, 2023, p. 123).

Sinceramente? Achei de uma irresponsabilidade gigantesca Rosa trazer tudo isso sem um posicionamento crítico. Ela sabe que muitos dos leitores desse livro vão se identificar com os relatos, com as características, então imagine uma pessoa possivelmente vulnerável e aspirante a escritora lendo esse tipo de coisa. Será que ela enxergaria (ou sequer procuraria) uma saída para o seu sofrimento psíquico?

Parece que pouco a pouco o ato de criar deixa de ser curador, de realçar a vida e suas possibilidades, e passa a ser um mero paliativo, um freio, para vidas que estão à beira da autodestruição. Escreve-se, por exemplo, para não sucumbir, para suportar o sofrimento, não para sair dele ou transformá-lo. É uma diferença sutil, mas gigantesca.

Afinal, o que estou achando da leitura até aqui?

Ai, gente, sinceramente? Essa segunda parte foi um banho de água fria na minha empolgação inicial. Até parei de ler o livro por enquanto.

Todos nós temos em nosso imaginário a ideia do gênio atormentado, para quê escrever um livro que reforça isso? É tão problemático e pode levar (como já levou diversos artistas) a negligenciarem sua saúde mental ou até a se destruírem em nome da criação. Por que não problematizar isso, se a Rosa mesmo indicou no início do livro que suas crises de pânico desapareceram quando começou a publicar seus escritos?

Mesmo que no início ela tenha trazido uma visão diferente e otimista, trazer o estereótipo em seguida ofusca completamente a abertura. Sobretudo do modo vívido e recheado de exemplos como ela fez. Para mim, não dá. Em dado momento senti que estava diante de um show de horrores que romanceava o sofrimento psíquico grave, afinal ele proporcionaria um dom maravilhoso e único que seria o dom da criação. Vide a frase do Bukowski, que diminui qualquer criação que não seja fruto de tal sofrimento. E Rosa diz que sempre desgostou dele, mas o elogia após citar a frase. Difícil, não é mesmo?!

Pode ser que ela aponte outras perspectivas adiante, pois estou escrevendo conforme avanço na leitura, mas, para mim, o estrago já foi feito. Se alguém parar a leitura neste exato momento, vai ficar com esse ponto de vista acrítico da relação entre doença mental e criatividade.

Será que Rosa vai me surpreender e me fazer repensar a minha opinião? Eu gostaria que sim, mas tenho minhas dúvidas. Veremos!

E você, o já leu ou está lendo o livro da Rosa? Quero saber a sua opinião, vamos conversar nos comentários!


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