
Neste post, compartilho as minhas anotações das aulas da disciplina Leitura e compreensão de textos não literários, da Uninter. Não se trata de uma transcrição do material, mas da minha interpretação e organização do que foi estudado. Gosto muito de escrever notas para fixar o conteúdo e pensei em torná-las públicas com o intuito de ajudar outros estudantes, sejam ou não da Uninter, interessados no tema!
Como também sou estudante e ainda estou aprendendo o tema, peço que não tomem minhas notas como fonte definitiva de informação. Sempre que possível, consultem fontes primárias. Para ajudá-los, incluí no final do post uma lista de referências com algumas sugestões de leitura sobre o tema.
Importância da disciplina
Esta disciplina é fundamental para entendermos e aprendermos estratégias de leitura que nos auxiliarão na leitura e interpretação de textos, habilidade fundamental para a vida e para o meio acadêmico no qual estamos inseridos.
Enquanto estudantes que estão se formando para lecionar (tanto em nível básico quanto no superior), a disciplina é importante para aprendermos a desenvolver projetos de leitura e uso de textos dos mais diversos gêneros, transmitindo e ensinando nosso conhecimento a fim de estimular a leitura entre as pessoas, bem como as capacidades de interpretação e de produção de textos. Ou seja, há um papel social envolvido na disciplina e em nossa posição como estudantes, que se refere a um conceito que vamos aprender na disciplina, o de letramento.
Letramento e alfabetização
Talvez você esteja se perguntando: “Por que falar de letramento e alfabetização em uma disciplina sobre a leitura e compreensão de textos não literários”? Bem, o processo de leitura envolve duas atividades diferentes e que não podem ocorrer simultaneamente: a identificação das palavras e a construção de significados (Monteiro; Soares, 2014).
Ambos os processos vinculam-se aos conceitos de alfabetização e letramento na medida em que a alfabetização consiste na aquisição do sistema de escrita, isto é, na capacidade de ler (decodificar o sistema escrito) e escrever (codificar o sistema escrito), enquanto o letramento consiste no desenvolvimento da habilidade de uso desse sistema na leitura, na escrita e nas práticas sociais (Soares, 2004).
A compreensão de textos está diretamente relacionada à capacidade de leitura de palavras, ou seja, à efetividade do processo de alfabetização, e depende da automatização do reconhecimento das palavras, a fim de que o leitor possa se concentrar na etapa de extração de significados do texto, fazendo inferências, relacionando o conteúdo com seus conhecimentos prévios e pensando criticamente sobre o que está lendo (Monteiro; Soares, 2014).
Como a construção de significados do texto está diretamente relacionada com o processo de letramento, dependendo de circunstâncias sociais e culturais (Monteiro; Soares, 2014), vamos nos ater primeiro aos processos de alfabetização e letramento, entendendo suas particularidades e como estão inseridos no contexto da educação brasileira para, então, nos aprofundarmos nos processos cognitivos envolvidos no ato de ler.
História do conceito de letramento
O conceito de letramento surge no Brasil na década de 1980. No contexto global, outros países como França, Portugal, Estados Unidos e Inglaterra também formulavam suas próprias concepções do conceito de letramento. Ainda na mesma época, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) sugeriu que as avaliações internacionais de competência de leitura e escrita abarcassem mais do que a mensuração da capacidade de ler e escrever (Soares, 2004).
Apesar do surgimento simultâneo, os países supracitados não trataram o letramento da mesma forma. Enquanto nos países estrangeiros considerava-se letramento e alfabetização como processos distintos e independentes, no Brasil o conceito de letramento surge a partir de um questionamento do conceito de alfabetização e o primeiro enraíza-se no segundo, resultando em uma associação, uma mescla e até mesmo em uma confusão entre ambos os conceitos (Soares, 2004).
De acordo com (Soares, 2004), no Brasil, há uma progressiva evolução do conceito de alfabetização para o conceito de letramento observável pelas mudanças no Censo. Em 1940, era considerado alfabetizado quem declarasse saber ler e escrever o nome próprio. Em 1950, isso seria expandido para quem declarasse ser capaz de ler e escrever um bilhete simples. A partir da década de 1950 até a atualidade, o critério de alfabetização passou a compreender os anos de escolarização, estando diretamente ligado à alfabetização funcional da população, isto é, a capacidade de ler e escrever deveria estar inserida em um uso contextualizado socialmente, o que revela um movimento da alfabetização em direção ao letramento.
A mídia brasileira também exerce um papel importante na questão, pois desde os anos 1990 usa termos como “semi-analfabetos”, “iletrados” e “analfabetos funcionais”, que apontam para um conceito de alfabetização próximo ao de letramento (Soares, 2004).
O problema da alfabetização no Brasil
Nas últimas duas décadas, o ensino da língua escrita nas escolas brasileiras vem fracassando, e um dos motivos para isso se encontra na perda da especificidade do processo de alfabetização (Soares, 2004).
Essa perda relaciona-se com uma mudança que ocorreu a partir de meados de 1980 no Brasil no paradigma dominante que orientava o ensino da língua escrita. Substituiu-se o paradigma behaviorista pelo cognitivista, denominado construtivismo, e, posteriormente, socioconstrutivismo (Soares, 2004).
Enquanto os métodos de alfabetização baseados no paradigma behaviorista consideravam que a aprendizagem da língua escrita pela criança dependia de estímulos externos, a perspectiva construtivista enxerga a criança como um sujeito ativo que pode, ela própria, construir o sistema mental de representação da língua escrita a partir de sua interação com o material escrito (Soares, 2004),
Considerando que tanto o behaviorismo quanto o cognitivismo são vertentes do campo da psicologia, passou-se, portanto, a privilegiar o aspecto psicológico da alfabetização em detrimento de seu aspecto linguístico, que engloba a fonética e trata das relações arbitrárias entre o fonema e o grafema, isto é, o som que corresponde àquilo que se vê escrito (Soares, 2004).
Assim, os métodos de alfabetização orientados pelo behaviorismo e que enfatizam o aspecto linguístico do aprendizado da linguagem foram abandonados, o que levou, segundo Soares (2004), a uma ausência de métodos de alfabetização, visto que o paradigma cognitivista propunha a autonomia da criança e a suficiência do contato com o material escrito no processo de aquisição da linguagem escrita.
Soares (2004) ainda ressalta que tal mudança levou a uma confusão entre os conceitos de alfabetização e letramento, com o predomínio do segundo em relação ao primeiro e consequente apagamento do primeiro.
Ao longo dos anos, conforme as crianças aprendiam sob orientação desse novo paradigma, começou-se a perceber que elas estavam sendo letradas, mas não alfabetizadas, o que está produzindo um retorno à concepção de que a alfabetização é um processo autônomo e distinto do letramento, sendo também anterior a ele (Soares, 2004).
A interdependência de alfabetização e letramento
Ainda que a alfabetizzação e o letramento guardem as suas especificidades, eles são processos interdependentes e concorrem simultaneamente para inserir a criança no mundo da linguagem escrita (Soares, 2004).
Portanto, apesar de esses processos precisarem ser entendidos como distintos, envolvendo conhecimentos e competências diferentes e necessitano de métodos específicos de ensino, também é preciso perceber que eles podem e devem coexitir e que um nao prevalece sobre o outro, a fim de não incorrer novamente no erro das gerações anteriores e proporcionar uma formação verdadeiramente integral àqueles que ainda não adquiriram o sistema de escrita (Soares, 2004).
Letramento e variabilidade linguística
O modo como as pessoas falam é moldado por múltiplos fatores como: escolaridade, sexo, época histórica, grupo social, localização geográfica, entre outros. Por isso, falantes de um mesmo idioma podem se comunicar de formas bem distintas (Machado, 2024, aula 3).
No entanto, tais diferenças não significam que há um jeito certo ou errado de se falar. É verdade que existe a norma culta, formalizada pela gramática normativa, que deve ser aprendida e respeitada em determinadas situações de comunicação, sobretudo escrita. Mas a noção de variabilidade linguística propõe que as diferenças na fala são um fenômeno natural e, por isso, não devem ser condenadas. Antes, deve-se analisar o contexto e a adequação da variedade usada (Machado, 2025, aula 3).
A professora da disciplina dá um excelente exemplo sobre isso:
“Tem uma historinha que ilustra bem isso, é a de um nordestino que dizia estar com sardade de sua amada, e um fidalgo lhe corrige dizendo que o certo é saudade; ele pensa se for saudade não pode ser da minha Tereza” (Machado, 2025, aula 3, grifos do original).
Portanto, letrar-se não envolve apenas ser capaz de compreender um texto, mas também o reconhecimento da multiplicidade de usos de nossa língua e o entendimento que cada variedade linguística carrega a identidade e a história de seus falantes. O contato com textos que reflitam essa multiplicidade é essencial para expandir a visão de mundo do leitor e prevenir a discriminação contra modos de expressão diferentes.
Letramento crítico e múltiplos letramentos
As práticas sociais de leitura, escrita e uso da língua/linguagem são heterogêneas e definidas socioculturalmente. Nesse contexto, podemos falar em letramentos dominantes e marginalizados. Os primeiros são aqueles institucionalizados, regulados, controlados e sistematizados, produzidos por especialistas. Já os segundos, por vezes chamados de letramentos “vernaculares” ou locais, originam-se na vida cotidiana e nas culturas locais (Rojo, 2008).
Diante das transformações recentes, como a globalização, o avanço das tecnologias digitais e as mudanças nas formas de comunicação, torna-se fundamental rever os letramentos dominantes, sobretudo os escolares, pois esses novos contextos exigem o desenvolvimento de novos letramentos. Dentre eles, destaca-se o letramento voltado para a multisemiose, que não abarca apenas o texto escrito, mas uma multiplicidade de modalidades de linguagem, como imagens estáticas, vídeos, músicas etc. (Rojo, 2008).
A função da escola é possibilitar uma multiplicidade de letramentos, que permitam que os alunos participem de diferentes práticas sociais. Isso implica também adotar uma perspectiva crítica a respeito das práticas discursivas, que tire o aluno da posição passiva de receptor e leitor de discursos produzidos em massa, colocando-o no papel de protagonista, que intetage com os discursos, recuperando seu contexto de produção, situando-os socialmente e interpretando-os, por meio de questionamentos como:
- Quem escreveu?
- Com qual propósito?
- Onde foi publicado?
- Quando?
- Qual era o público-alvo? (Rojo, 2008).
Leitura e cognição
Características do processo de leitura
Ler não é apenas passar os olhos por um texto escrito e convertê-lo em uma versão oral. O ato da leitura é complexo e envolve os seguintes processos (Jouve, 2002 apud Machado, 2025):
- Neurofisiológico: percepção e memorização dos signos. Na leitura, as palavras não são processadas isoladamente, mas em blocos, além de o leitor antecipar as palavras seguintes, o que caracteriza o processo de leitura como uma atividade de antecipação, estruturação e interpretação, mesmo em sua etapa mais básica que é a neurofisiológica.
- Cognitivo: compreensão após a percepção e decodificação dos signos. Há duas maneiras de se avordar o texto: por meio da progressão, que implica na leitura seguindo o encadeamento dos acontecimentos até o fim da narrativa, e da compreensão, que envolve a pausa em determinados trechos em uma leitura mais complexa. Ambos os processos se combinam de formas variadas ao longo da leitura.
- Afetivo: emoções despertadas pelo texto. Jouve (2002 apud Machado, 2025) ressalta que, ao sermos fisgados por uma personagem da narrativa, isso indica que nos interessamos por aquilo que acontece a ela.
- Argumentativo: o leitor assume ou não os argumentos apresentados pelo texto.
- Simbólico: o sentido que o leitor extrai do texto e que se relaciona com o momento que vive e seu contexto cultural.
Para ler as palavras, é preciso reconhecê-las, processo que engloba três componentes da palavra escrita: o ortográfico, o fonológico e o semântico – respectivamente: a forma escrita, a forma falada e o significado da palavra (Plaut, 2005 apud Monteiro; Soares, 2014).
É possível acionar esses componentes por meio de duas vias: a fonológica e a lexical. Na primeira, privilegia-se a correspondência entre o grafema e o fonema, identificando os sons correspondentes à ortografia e, consequentemente, identificando o significado da palavra. Na segunda via, a lexical, privilegia-se apenas o reconheciemnto da informação visual que remete ao vocabulário mental do leitor, ou seja, necessariamente o leitor precisa estar familiarizado com a palavra que está lendo, senão não consegurá decodificá-la. Por isso, essa via é muito usada para ler palavras que aparecem com frequência. Já a via fonológica, que não demanda um repositório mental de palavras, permite a leitura de palavras novas para o leitor. Ambas as vidas podem ser usadas de forma conjunta (Monteiro; Soares, 2014).
A aquisição da leitura ocorre em estágios que dependem do método de ensino e, por isso, não são necessariamente lineares e consecutivos, podendo ocorrer paralelamente: usa-se estratégias baseadas em pistas visuais (estágio logográfico), passando pela decodificação letra-som (estágio alfabético, que faz uso da via fonológica) até alcançar o reconheciemnto automático (estágio ortográfico). Segundo as teorias sobre a aprendizagem de leitura, a preferência dos leitores recai sobre a via fonológica (Monteiro; Soares, 2014).
O contato frequente com as palavras escritas é fundamental para o desenvolvimento da habilidade de leitura, pois os leitores começam a formar conexões entre os grafemas e fonemas, desenvolvendo um léxico mental que favorecerá a automação do reconhecimento das palavras, bem como a previsão sobre a leitura e a escrita corretas das palavras (Monteiro; Soares, 2014).
No entanto, é importante que o processo de alfabetização não seja maquínico, pois há muitas palavras e correspondências entre sílabas e sons não óbvias e irregulares em nossa língua. Assim, se o ensino se ativer apenas à decodificação das letras, sem promover a reflexão sobre os sons, as regras ortográficas e sobre as exceções às regras, isso poderá gerar dificuldades na leitura e até impossibilitá-la (Monteiro; Soares, 2014).
A leitura sempre implica o questionamento e a crença de que é possível encontrar respostas no texto (Foucambert, 1994 apud Machado, 2025, aula 2). Para isso, o leitor deve ser capaz de traçar estratégias de exploração do material escrito e levantar hipóteses sobre o que encontrará no texto (Machado, 2025, aula 2).
Tais hipóteses são desenvolvidas tanto com base no material com o qual o leitor está interagingo quanto em seus conheciemntos prévios. Ao longo da leitura, as inferências podem ser confirmadas ou refutadas, o que levará o leitor a reformular suas concepções (Machado, 2025, aula 2).
Especificidades do texto escrito
Na comunicação oral – a menos que essa seja gravada – emissor e receptor ocupam o mesmo espaço. Já na comunicação escrita, isso não só não acontece, como ambos são separados também pelo tempo. Nesse sentido, uma obra escrita pode ter sido produzida em um contexto muito diferente daquele do leitor e, ao ler a obra, aquele recria o contexto desta. Com isso, as relações internas da obra tornam-se muito importantes, uma vez que o leitor as usa para recriar o contexto que possibilita o entendimento do texto. No entanto, isso faz com que o texto escrito possa ser sujeito a uma multiplicidade maior de interpretações do que a comunicação oral (Machado, 2025).
Apesar das possibilidades de mal-entendidos, a obra escrita tem a vantagem de perdurar ao longo do tempo e poder adquirir um caráter universal – vide o cânone literário – uma vez que consegue atingir leitores de outros lugares e épocas distintos de seu contexto de criação. Como resultado, o texto pode possibilitar ao leitor a ampliação de seu horizonte, já que o transporta para um universo impossível de ser vivenciado fora da obra (Machado, 2025).
O papel do leitor no processo de leitura
Enquanto o autor é aquele que prepara o texto para ser recebido, adicionando determinada intencionalidade em sua produção, o leitor é aquele que o recebe e atribui um sentido subjetivo a ele com base em sua experiência de mundo, do lugar e época em que lê, de sua faixa etária, maturidade, do motivo pelo qual lê etc. (Machado, 2025).
Isso significa que o leitor é ativo, isto é, ele questiona, reflete, tira conclusões e transforma o texto que está lendo. Como consequência, há uma infinidade de interpretações possíveis. Tão múltiplas e variadas quanto a subjetividade de cada pessoa (Machado, 2025).
Essa compreensão de um leitor ativo que constrói o texto durante a leitura nem sempre existiu. Anteriormente a ela, considerava-se que a obra literária era fechada e imutável, destacada do contexto do leitor e do contexto histórico, e não admitia múltiplas interpretações. Foi Hans Robert Jauss, um escritor e crítico literário alemão do século XX, que modificou esse cenário ao defender a relevância do leitor na construção dos significados da obra literária, já que aquele que lê é condicionado historicamente e a história está em permanente mudança (Zilberman, 1989 apud Machado, 2025).
A interpretação do texto
Como vimos, o texto pode ser interpretado de múltiplas formas e essas dependem também (mas não apenas) do universo particular de cada leitor, sua cultura, seus conhecimentos prévios, sua experiência de vida, entre outras coisas. Porém, isso não significa que todas as interpretações sejam válidas. É importante conhecer o contexto do autor e da obra, o objetivo de sua recepção e respeitar a lógica simbólica do texto (Machado, 2025), a fim de não cometer, por exemplo, um anacronismo e interpretar um aspecto fora de seu contexto.
Darei um exemplo pessoal (sem spoilers não se preocupe!): recentemente estava lendo, em um clube de leitura, a obra Cem anos de solidão, do colombiano Gabriel García Márquez. Há diversos comportamentos problemáticos envolvendo o modo como os homens tratam as mulheres e também alguns abusos cometidos. Isso gerou incômodo em muitas participantes da leitura coletiva (eu incluída), que começaram a discutir sobre a questão.
No livro, aparentemente não há um posicionamento crítico sobre esses comportamentos, o que levou ao questionamento: “Será que o Gabo estava ‘passando pano’ para essas situações?”. No entanto, é preciso considerar que a obra foi publicada em 1967 e concebida muito antes disso, além de ter tido como inspiração histórias que a avó de Gabo contava a ele, ou seja, há um material muito mais antigo do que a data de publicação.
Se, por um lado, é importante problematizarmos temáticas como machismo, abuso sexual e incesto presentes no livro, de forma que isso não seja naturalizado e perpetuado na contemporaneidade, por outro lado, é fundamental que isso não venha a afetar a análise da obra como um todo, tachando o Gabo de machista, cancelando a narrativa e invalidando-a, pois seria um erro anacrônico interpretarmos e analisarmos a obra a partir do nosso contexto e não do dele (além de não termos acesso à intenção do autor ao adicionar aqueles elementos e suas consequências na narrativa).
Metacognição e estratégias de leitura
O conceito de metacognição vem do campo da psicologia e é amplamente estudado na área da educação. Consiste na capacidade de pensar sobre o próprio pensamento. No contexto da leitura e da aprendizagem, a metacognição se encontra no modo como os leitores planejam e monitoram a leitura e sua compreensão, pensando e revendo estratégias para compreender o sentido do texto. Para isso, o leitor deve conhecer o seu estilo particular de ler e aprender, isto é, seu processo cognitivo, e ter a habilidade de controlá-lo conforme sua efetividade para promover a aprendizagem (Mariani, 2006).
É possível perceber que o conceito de metacognição pressupõe um leitor ativo, que reflete sobre o processo de leitura e busca estratégias para favorecê-lo. A falta de habilidade de leitura muitas vezes está associada a ausência do uso de estratégias metacognitivas, resultando em uma leitura passiva (Mariani, 2006).
Segundo Mariani (2006), alguns exemplos de estratégias metacognitivas são:
- Analisar o caminho que o autor percorre para comparar e contrastar ideias;
- Criar roteiros que representem o conteúdo e a estrutura do texto;
- Criar mapas conceituais;
- Relacionar diferentes fontes de informação;
- Relacionar o conteúdo aprendido com o conteúdo prévio;
- Identificar os pontos mais importantes do texto;
- Ler o sumário de um livro para entender a estrutura geral do texto e a conexão entre as ideias;
- Elaborar perguntas que podem ser feitas ao texto visando a facilitação da compreensão;
- Discutir o texto com colegas;
- Buscar outras perspectivas e interpretações para o texto.
Durante o aprendizado dessas estratégias, é fundamental introduzi-las gradualmente, praticando apenas uma ou duas de cada vez para garantir uma aplicação eficaz (Mariani, 2006).
Gêneros textuais
Dominar a língua é fundamental para a plena participação social, já que é por meio dela que nos comunicamos. Entretanto, esse domínio não envolve apenasse restringe ao conhecimento das palavras, englobando também o conhecimento dos significados culturais e do meio social (Urnau; Pavan; Macagnan, 2009).
O texto é a principal ferramenta de ensino da Língua Portuguesa (Machado, 2025, aula 4). Todo texto se organiza dentro de um gênero textual, que, por sua vez, apresenta formas variadas e intenções comunicativas próprias. As características de um texto – ou seja, a escolha de um gênero ou de outro – dependem das intenções comunicativas. Além disso, os gêneros são definidos por forças históricas, sociais, institucionais e tecnológicas e, portanto, são determinados historicamente (Urnau; Pavan; Macagnan, 2009). Por isso, ter proficiência no uso da língua em sua interface com o texto envolve, para além de habilidades de leitura e escrita, a habilidade de interpretação e produção de textos em seus mais variados gêneros e contextos (Machado, 2025, aula 4).
A noção de gêneros textuais data da Antiguidade clássica, com os estudos de Platão. Os gêneros eram definidos segundo sua forma, composição e conteúdo e classificavam-se em épico, lírico e dramático. Na Idade Média, passaram a ser classificados de acordo com à teoria dos estilos em elevado, médio e humilde, levando em consideração a classe social dos personagens da obra para sua classificação. As transformações sociais e culturais dos séculos XVIII e XIX levaram ao desenvolvimento de novas abordagens sobre os gêneros textuais nos séculos XX e XXI, como aponta Borges (2012, p. 122):
- sócio-histórica e dilógica (Bakhtin);
- sociorretórica e sócio-histórica cultural (Carolyn Miller, John Swales, Charles Bazerman, Amy Devitt);
- interacionista e sociodiscursiva de caráter psicolinguístico e atenção didática voltada para a língua materna (Bernard Schneuwly, Joaquim Dolz e Jen-Paul Bronkcart);
- comunicativa (Steger, Gülich, Bergmann, Berkenkotter);
- sociorretórica de caráter etnográfico voltada ao ensino de segunda língua (Swales, Bhatia);
- análise crítica (N. Fairclough, G. Kress).
A discussão em torno dos gêneros textuais ganhou visibilidade no cenário educacional brasileiro a partir de 1998, com a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Baseando-se na teoria dos gêneros textuais, na gramática reflexiva e nas teorias sobre linguagem e aprendizado de Vygotsky e Bakhtin, o documento estabelece diretrizes para o trabalho com o texto em sala de aula (Borges, 2012).
Bakhtin considera o texto um produto da interação social em uma situação concreta, refletindo a comunidade linguística da qual surgiu. Os gêneros textuais são enunciados relativamente estáveis, caracterizados por conteúdo, estilo e composição específicos. Eles refletem situações comunicativas específicas partilhadas culturalmente, o que os torna facilmente reconhecíveis (Borges, 2012).
Uma vez que os gêneros textuais são construídos na cultura e há múltiplas situações comunicativas, eles têm algum grau de flexibilidade. Aqueles que fazem uso dos gêneros podem modificá-los e novos gêneros podem surgir, como é o caso do e-mail e mais recentemente das mensagens de smartphone (Marchuschi, 2002 apud Machado, 2025, aula 4).
Já que o gênero textual implica o uso da língua dentro de seu contexto social, seu uso no ensino de português favorece o letramento, contribuindo para que os estudantes não apenas aprendam palavras, mas aprendam a usá-las em um contexto, isto é, dominem a língua (Urnau; Pavan; Macagnan, 2009).
Ao se trabalhar os gêneros textuais na escola, é preciso criar uma sequência didática e progressiva partindo das formas mais simples para as mais complexas, contemplando os mais diferentes gêneros e sempre buscando contextualizá-los socialmente, isto é, levar em consideração a sua função social (Urnau; Pavan; Macagnan, 2009).
É importante distinguir gênero textual de tipo textual. Enquanto os gêneros têm função social definida por seu conteúdo e podem se modificar ao longo do tempo, os tipos textuais têm uma forma fixa, definida pela intenção comunicativa. Os tipos textuais são cinco: narrativo, descritivo, dissertativo, expositivo e injuntivo. Cada tipo abrange gêneros diferentes:
- Narrativo: romance, conto, crônica.
- Descritivo: relatos de viagem, diários.
- Dissertativo: editorial, ensaios, artigo de opinião.
- Expositivo: verbetes de dicionário, jornais.
- Injuntivo: receitas, manuais (Machado, 2025, aula 4).
A partir de agora vamos tratar de alguns dos gêneros textuais mais comuns.
Resumo
O resumo se caracteriza pela síntese das principais ideias e argumentos de um texto, sem incluir interpretações ou juízos de valor. Trata-se de um gênero textual amplamente usado nos meios escolar e acadêmico (Machado, 2025, aula 4).
Há diversos tipos de resumo, cada qual com suas especificidades. Um dos mais comuns é o resumo de trabalhos acadêmicos, que encontramos no início de artigos e trabalhos monográficos. Outra forma frequente é o resumo de uma leitura, no qual regisra-se as principais ideias de um texto estudado (Machado, 2025, aula 4).
O primeiro passo para resumir um texto é realizar uma leitura atenta, que pode envolver as seguintes etapas:
- Levantar hipóteses durante a leitura.
- Recordar o conhecimento prévio sobre o assunto do texto.
- Ter em mente o objetivo da leitura.
- Realizar duas leituras do material: a primeira para se familiarizar com o conteúdo e a segunda para identificar as principais ideias e argumentos.
- Identificar a relação entre as ideias apresentadas no texto (Machado, 2025, aula 4).
Não há um padrão para a escrita do resumo em si. Ele não precisa seguir a ordem exata das ideias no texto original, podendo reorganizá-las para facilitar a exposição do conteúdo. Também não deve conter citações diretas (o que é característico do fichamento) e deve mencionar a fonte original para que o leitor consiga localizá-la (Machado, 2025, aula 4).
Resenha
A resenha é muitas vezes confundida com o resumo, mas diferencia-se dele por conter – além da síntese do conteúdo – comentários e avaliações sobre o conteúdo analisado (Machado, 2025, aula 4).
O contexto de produção das resenhas e sua finalidade são variados. No meio jornalístico, a resenha pode ter como objetivo a divulgação de uma obra, o incentivo ao seu consumo e, se escrita por um crítico especializado, a formação de opinião sobre ela. No contexto acadêmico, resenhas publicadas em periódicos científicos destinam-se aos pares da mesma área de pesquisa e podem fomentar o diálogo sobre determinada obra ou auxiliar pesquisadores na escolha de leituras relevantes (Machado, 2025, aula 4).
Ao resenhar um texto, pesquise sobre a biografia do autor e o contexto de produção da obra. Realizar duas leituras também é recomendável, assim como marcar trechos importantes e fazer anotações que o guiarão no momento da escrita (Machado, 2025, aula 4).
Em matéria de estrutura, deve-se considerar o veículo de divulgação da resenha e o público leitor para definir o objetivo do texto. Sua organização pode seguir o seguinte padrão:
- Contextualizar a obra.
- Apresentar sua estrutura e conteúdo.
- Avaliar a obra.
- Recomendá-la ou não com base na etapa anterior (Machado, 2025, aula 4).
Na avaliação da obra, evite um tom excessivamente emocional e mantenha o foco no texto, evitando direcionar críticas ao autor, pois poderia pessoalizar a resenha. Em caso de críticas negativas, busque atenuá-las e equilibrá-las com menções a aspectos positivos da obra, mantendo uma abordagem crítica, porém respeitosa (Machado, 2025, aula 4).
Artigo de opinião
O artigo de opinião defende um ponto de vista por meio de argumentos e pode ser encontrado em revistas, jornais e blogs. Seu autor (articulista) não é especialista na área e o tema é pouco aprofundado, com argumentos vinculados a opinião do articulista e normalmente é escrito em primeira pessoa (Machado, 2025, aula 4).
Como estrutura, o tema e a opinião do articulista são apresentados no primeiro parágrafo e seguidos, nos parágrafos subsequentes, por um ou mais argumentos que corroborem a tese do autor, concluindo com a retomada dos argumentos e reiteração da tese (Machado, 2025, aula 4).
Artigo de divulgação científica
O artigo de divulgação científica visa tornar públicos e acessíveis ao público leigo os resultados de pesquisas científicas, popularizando o conhecimento científico. Eles podem ser produzidos tanto por um pesquisador quanto por um jornalista especialista no assunto e há diversos meios de divulgação, como revistas, periódicos, livros e meios de comunicação de massa (Machado, 2025, aula 4).
Como recursos a fim de facilitar a compreensão do grande público, são usados gráficos, tabelas, esquemas, fotografias, bem como analogias, paráfrases, comparações e explicações de termos técnicos (Machado, 2025, aula 4).
Artigo científico
O artigo científico tem como objetivo registrar e comunicar os resultados de uma pesquisa à comunidade científica, de modo a contribuir para o avanço do conhecimento científico em sua área. Ele é divulgado em anais de congressos, revistas científicas ou livros e comumente precisa ser aprovado por pareceristas antes de sua divulgação (Machado, 2025, aula 4).
Leituras complementares
Como você irá perceber, há algumas referências que tratam de textos literários. Isso ocorre porque há discussões importantes no campo da literatura que extravasam o próprio campo, como a estética da recepção, que aborda a influência do leitor e sua recepção no modo como o texto é lido.
BAGNO, M. Preconceito linguístico. São Paulo: Parábola Editorial, 2015.
ISER, W. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo: Ed. 34, 1999.
JAUSS, H. R. O texto poético na mudança de horizonte de leitura. Rio de Janeiro: F. Alves, 1985.
JOUVE, V. A leitura. São Paulo: Ed. Unesp, 2002.
ZILBERMAN, R. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática, 1989.
FOUCAMBERT, J. A leitura em questão. Porto Alegre: Artmed, 1994.
HARTMANN, S. H. G.; SANTAROSA, S. D. Práticas de escrita para o letramento no ensino superior. Curitiba: Intersaberes, 2012.
KÖCHE, V. S.; MARINELLO, A. F. Gêneros textuais: práticas de leitura, escrita e análise linguística. Petrópolis: Vozes, 2015.
Algumas referências para o estudo de gêneros textuais
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Os gêneros escolares – Das práticas de linguagem aos objetos de ensino. Revista Brasileira de Educação, ANPED, n. 11, p. 5-16, 1999.
BRONCKART, J. P. Atividades de linguagem, texto e discursos: por um inteacionismo sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999.
BAZERMAN, C. Escrita, gênero e interação social. São Paulo: Cortez, 2007.
BAZERMAN, C. Gêneros, agência e escrita. São Paulo: Cortez, 2006.
BAZERMAN, C. Gêneros textuais, tipificação e interação. São Paulo: Cortez, 2005.
MILLER, Carolyn R. Genre as social action. In FREEDMAN, A.; MEDWAY, P. (Org.). Genre and the new rhetoric. London: Taylor & Frances, 1994. p. 23-42.
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Referências
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